Por Mário Beja Santos ||| As referências internacionais ao livro deste especialista em História Militar do mundo antigo são altamente elogiosas. The Wall Street Journal dá nota 10 a Dez Césares, por Barry Strauss, Bertrand Editora, 2021: “Uma história de Roma antiga excecionalmente acessível, com capítulos que se leem como um guião de ‘A Guerra dos Tronos’. Barry Strauss é o melhor académico do mundo antigo a escrever nos dias de hoje para o leitor comum”. Ao longo de dois inspiradíssimos volumes, percorremos três séculos e meio de um dos maiores impérios da História, um percurso aqui registado às vezes como uma novela fantástica que começa com Augusto, o primeiro imperador, o fundador de uma doutrina subjacente a um projeto simultaneamente de conquista e de posse, de irradiação de valores e de aculturação, sob a aura do esplendor, mas aonde não se esquecem poderosas alterações de índole geográfica, étnica, religiosa e culturais, e uma atmosfera de crime, de perseguição e de vingança que nos fazem estarrecer. O autor não escolhe ao acaso, para este volume primeiro, Augusto, Tibério, Nero, Vespasiano e Trajano. Augusto é o fundador do império, foi ele que derrubou a República Romana, parecia frágil de saúde, revelou-se um destemido chefe militar, é o promotor da Pax Romana, a matriz da aculturação graças ao direito, à língua, às vias imperiais, ao comércio. Herdou o poder de César, lançou-se em guerras de conquista ainda jovem, assassinado César em 44 a.C., começa subtilmente a desembaraçar-se dos inimigos. Octaviano irá confrontar-se com Marco António, consegue ter o Senado do seu lado, Marco António lidera no Mediterrâneo Oriental, conjuntamente com a rainha Cleópatra, da Dinastia dos Ptolemeus. Derrota-os, eles suicidam-se. Depois estabilizou o sistema político de Roma, onde se vivera um século de guerra e revolução. Era um sedutor, atraiu os patrícios para um programa de reforma moral. Instituída a Pax Romana, entrara-se num período de paz duradoura. Satisfez as suas tropas, deu a várias centenas de milhares de veteranos terras, dinheiro, estabeleceu colónias tanto em Itália como fora dela. Adquiriu novos territórios na Hispânia, no Norte dos Balcãs e na Germânia, anexou o Egito. Impôs a sua autoridade, fez-se prestigiar e respeitar, deu escassos poderes ao Senado, que deixou de controlar a política externa, as finanças ou a guerra. Nunca cometeu o erro de confundir o Império Romano com a cidade de Roma, Augusto fez o poder transitar da cidade de Roma para as províncias, modelizou uma política imperial, da Britânia ao atual Iraque, fez com que todos quisessem partilhar uma cultura comum. Nunca se autodenominou rei nem imperador, sabia ser cauteloso, nunca afrontou o Senado, pelo que a sigla Senado e Povo Romano era o santo e a senha do Império. A velha nobreza de Roma foi arredada do monopólio do poder político. Pôde dizer à hora da morte recebera uma Roma feita de barro e deixara uma Roma construída com mármore. Não tinha descendentes masculinos e manteve sempre uma excelente relação com a mulher, Lívia. Sucede-lhe Tibério, no ano XIV, era um soldado profissional, cedo se apercebeu das tremendas dificuldades em gerir tão grande império: conquistador e pacificador; construtor e demolidor; benfeitor e juiz; chefe de família e pai da Pátria; tribuno da plebe e Primeiro Homem no Senado, quase um Deus. Procurou e teve êxito com o entendimento alcançado com as elites: com o Exército, o Senado, o Tribunal Imperial e as figuras ilustres das províncias. Foi educado para ser soldado e estadista, instruído nos clássicos gregos e latinos, hábil orador. Barry Strauss prende o leitor com as incursões que faz aos meios familiares, a morte súbita de promissores sucessores dos Césares, casamentos e divórcios, desentendimentos entre famílias, somos confrontados com o poder que Lívia exerceu no tempo de Tibério, o imperador que cedo entendeu que não podia investir mais na conquista da Germânia. Observa o autor que faltava a Tibério o desejo de Augusto em conquistar o mundo. É o imperador que passa a valorizar a guarda pretoriana. Desinteressado de viver em Roma, instala-se em Capri, desfaz-se do seu colaborador principal, Sejano, este teria planeado uma conspiração contra ele. Educa o futuro imperador, de nome Calígula. É durante o reinado de Tibério que começara a maior revolução religiosa da História Ocidental, o Cristianismo. Sucedem-se outros imperadores, Claúdio e Calígula, depois Nero, este revelou-se uma figura paradoxal: apaixonado pela música e pelo teatro, um perturbado, já tinham começado os assassinatos dos imperadores, caso de Calígula, a sua vida familiar foi arrepiante. No início do seu reinado, prometeu pôr fim aos abusos do passado, os primeiros cinco anos pareciam tranquilizadores e depois irrompeu o tirano, o depravado, mas também o artista, o promotor de jogos e espetáculos. Sucederam-se as conspirações, depois o Senado abominou-o, perdeu o apoio do poder instalado de Roma, algumas províncias estavam em revolta e os generais já não confiavam no imperador que recompensava o sucesso com a execução. Escreve o autor: “Foi o imperador mais culto e cruel que Roma alguma vez vira, sendo também um dos últimos membros da velha nobreza romana a chegar a imperador. Depois dele, e com a exceção do breve reinado de Galba, passariam quase 200 anos até que outro membro dessa nobreza fosse imperador”.
E deste período, Barry Strauss destaca Vespasiano e Trajano. Vespasiano era um soldado por inteiro, massacrou os rebeldes da Judeia, cercava Jerusalém no verão de 68 quando recebeu notícia da morte de Nero, que fora obrigado ao suicídio. A paz augustana acabara, os tumultos sucediam-se, da Gália à Germânia, da Judeia à própria Itália. No ao de 69 sucederam-se quatro imperadores: Galba, Otão, Vitélio e Vespasiano. Este último irá fundar uma nova dinastia, os Flávios. Vespasiano conheceu sucessos militares, conquistou grande parte do Sudoeste da Britânia, envolveu-se em 30 batalhas, sufocou a sublevação judaica. Se aos olhos dos Romanos lhe faltava autoridade, reputação e grandiosidade, Vespasiano acreditou em si mesmo, tinha as legiões do seu lado, conquistou apoios, tinha os seus filhos Tito e Domiciano a trabalhar para que o seu poder fosse incontestável. Usou a estratégia de Augusto, manteve uma política no espetáculo e na ostentação. Será ele a criar o Coliseu de Roma, conhecido como Anfiteatro Flaviano. A sua maior proeza foi de ter mantido o império vivo, o imperador mostrou que continuariam a existir Césares, mesmo sem o sangue dos Césares. Caberá a Trajano, depois dos reinados de Tito e Domiciano, ter levado o Império à sua máxima extensão com a conquista da Dácia. Entrara-se numa era de prosperidade, o ciclo dos chamados Cinco Bons Imperadores: Nerva, Trajano, Adriano, Antonino Pio e Marco Aurélio. O Império alcançava o seu zénite. Leitura imperdível, haverá mais notícias quanto ao volume II, outra obra incontornável. UA-48111120-1
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