Por Beja Santos - O livro intitula-se “Portugal e o fim do colonialismo. Dimensões internacionais”, com organização de Miguel Bandeira Jerónimo e António Costa Pinto, Edições 70, 2014, e faz parte da nova reflexão historiográfica sobre a evolução do pensamento colonial a partir da criação do sistema das Nações Unidas e do relacionamento que se estabeleceu entre a diplomacia de Salazar e os mais próximos aliados: EUA, Grã-Bretanha, França e RFA, África do Sul e Brasil. São sete textos que têm uma articulação própria, trata-se de um longo transcurso sobre as condições do trabalho reforçado e as reformas a que obrigaram o império colonial português os críticos de todas as proveniências. Os EUA, sobretudo a partir do momento em que passaram a ter acesso a um porta-aviões que dá pelo nome de a base das Lajes, privilegiaram um relacionamento amistoso com os governos de Salazar. Aliás, este só cedera abrir a mão dos Açores se Washington desse garantias de respeitar o império colonial português. Os grandes embaraços surgirão com a eleição de Kennedy. Ao tempo, o embaixador português enviava um telegrama prognosticando sobre esta eleição que “significará a adoção oficial de uma política anticolonial subordinada ao princípio da libertação de todos os territórios dependentes”. Foram embaraços temporários, Salazar ainda jogava a cartada da “defesa do Ocidente” nela incluindo a guerrilha emergente nas colónias, era tudo maquinação de Moscovo. Depois, com o presidente Johnson, Portugal pode contar com a “neutralidade colaborante” dos EUA. Mais tarde durante a guerra do Yom Kippur, os EUA exigiram utilizar a base dos Açores, e em Dezembro de 1973 Henry Kissinger visitou Portugal para agradecer o apoio português a Marcello Caetano. A diplomacia portuguesa aproveitou oportunidade para convencer Kissinger a aprovar (ou a facilitar) a venda de misseis antiaéreos que Portugal necessitava com urgência na Guiné-Bissau. Há fortes indícios que nas vésperas do 25 de Abril o envio destes misseis estaria prestes a ser concretizado, a partir da RFA. Com o 25 de Abril, Spínola ainda procurou sensibilizar Nixon para a importância de Cabo Verde, mas era demasiado tarde. E autor deste texto observa: “As hesitações e ambivalências da política norte-americana para com Portugal refletem um problema mais vasto que os decisores políticos norte-americanos tiveram de enfrentar desde o final da II Guerra Mundial: o dilema entre a solidariedade europeia e a descolonização africana”.
O histórico das relações luso-britânicas é bastante distinto. A despeito do Ultimatum de 1890, o “Terceiro Império Português” desenrolou-se, em grande medida, debaixo da tutela económica da Grã-Bretanha (pelo menos até aos anos 40 do século XX). Londres decidiu muito cedo descolonizar em África e gradualmente foram surgindo tensões com a diplomacia de Lisboa, mas os negócios na África Austral eram demasiado importantes para que os britânicos se pusessem de lado, apostava-se ainda no poder branco na África Austral. O que leva o autor do estudo a dizer que “Comparativamente com as outras potências ocidentais, o Reino Unido procurou manter um maior distanciamento em relação aos esforços do Estado-Novo para defender militarmente as suas colónias em África”. No que toca à França e RFA, também as diplomacias tiveram matizes distintos. A França insistiu durante bastante tempo em apoiar a política colonial portuguesa, teve uma atitude bastante tolerante. E o autor nota que “Pelo menos desde 1958 que Portugal e França mantinham uma estreita cooperação militar. A título de exemplo refere-se aquisição de cerca de 78 autometralhadoras Panhard. Posteriormente, em 1960 e 1961, a França contribui fortemente para a adaptação da Força Aérea portuguesa às necessidades da luta anti-subversiva, através do fornecimento de aviões de transporte (Nord-Atlas) e de ataque ao solo (T-6). Em 1963, começaram a chegar a Portugal os famosos helicópteros Alouette III e os camiões de transporte Berliet e, já nos anos 70, os helicópteros Puma”. A cooperação militar também foi bastante intensa entre Portugal e a RFA. Portugal produziu na Fábrica Militar de Braço de Prata a espingarda G3 e as respetivas munições. Com a França e a RFA, Portugal procurou jogar a cartada da aliança atlântica, voltou para estas potências uma boa parte da sua política externa para evitar a dependência exclusiva em relação aos EUA. Mesmo sinuosamente, França e RFA apoiavam Portugal com a lógica da estabilidade do bloco ocidental. A África Austral era um território simultaneamente amistoso para a política de Salazar e Caetano mas também terrivelmente incómodo, Lisboa não podia aplaudir uma política racial, já então condenada pelo mundo inteiro. O estudo recorda o exercício Alcora, no fundo a trama que possibilitava o apoio militar sul-africano e a vigilância antiterrorista. Igualmente o Brasil foi uma potência importante na diplomacia portuguesa mas no início da década de 1970 pendeu estrategicamente para o apoio africano. Pouco antes do 25 de Abril Brasília deu sinais concretos de deixar de apoiar a política colonial portuguesa. O sétimo e derradeiro estudo está centrado na presença portuguesa nas Nações Unidas e a sucessiva adaptação da diplomacia personificada por Franco Nogueira e Rui Patrício à evolução do cenário internacional de repúdio ao colonialismo português. Obra de grande importância para compreender o que foi a diplomacia portuguesa durante a guerra colonial no comprimento de onda da evolução dos ventos da História. UA-48111120-1
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Junho 2016
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