Por BEJA SANTOS – “Um sol esplendente nas coisas, cartas de Mário Cesariny para Alberto de Lacerda”, edição de Luís Amorim de Sousa, Sistema Solar, 2015, corresponde às cartas, postais e documentos que Cesariny enviou ao seu amigo Alberto de Lacerda. Carteiam-se entre Abril de 1962 e 2000, durante anos tratam-se por você, a intimidade fez o resto, a certa altura tratam-se por tu. É do domínio público que Cesariny foi um dos vultos maiores da poesia portuguesa da segunda metade do século XX, foi artista plástico de nomeada, mas tenho para mim que o Cesariny epistológrafo roça a genialidade: torce e retorce palavras e frases, faz prosa-poema, alaga-se em confidências, é irreverente, pedinchão, não esconde adorações, amarga-se com mediocridades, é cáustico, toda a sua coloquialidade tem um refinado sentido de humor. Estamos em Maio de 1965, fala dos abaixo-assinados: “Eu assinei não sei quantas dezenas, de papéis iguais ou pares desses. Nunca me recusei nisso, mesmo sabendo que coisas tais não levam coisa nenhuma, mesmo rindo a matar desses cordéis assinados que sempre ficam bem na árvore de Natal da polícia. Assinei nos alegres tempos do MUD, assinei mais tarde, acho que assinei sempre. E assinei porque sim, porque é impossível não assinar, porque não se pode não assinar. É feio. A isto estamos reduzidos. Eles lá permanecem na cadeia e nós permanecemos aqui decerto porque o presidente da República entendeu que aquelas assinaturas tinham a importância que tinham. Mas distingo entre a inutilidade destes protestos e a utilidade pessoal de fazê-los. Sente-se a pessoa mais limpa, parece que é entre papel e caneta, já que não há verdadeiro contacto entre caneta e país. Mas há que denunciar um dia, a gritos, esta ilusão: o limpar-se um de caneta em país onde a polícia impera”. Por BEJA SANTOS – “Menos que humanos, Imigração clandestina e tráfico de pessoas na Europa”, por Nuno Rogeiro, Publicações Dom Quixote, 2015, é um ensaio oportuno e esclarecedor que sai da pena de um analista com provas dadas nos assuntos estratégicos e na geopolítica. O autor apresenta a sua obra da seguinte maneira: “Este livro é sobre refugiados das guerras, das perseguições, das catástrofes, mas também acerca de massas que querem viver melhor e não podem circular regularmente para o destino. E ainda sobre deslocados dentro do próprio país, e apátridas, e traficados para os negócios da carne e do crepúsculo do espírito, e gerações que crescem em campos, sem noção de quem são e do que são. Sempre em trânsito, sempre parados”. Muitos deles são filhos das batalhas: de guerras civis sem regras (caso da Síria), da decomposição de um país (Iraque, Somália, Afeganistão), vêm de comunidades religiosas perseguidas (Nigéria) ou fogem de regime de partido único de perfil totalitário (Eritreia). Neste ensaio ouviremos repetidamente falar do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e da avalanche migratória dos últimos anos. Há fugitivos que escapam a múltiplas forças, como nos recorda o autor: o regime de Assad, o Daesh, outras forças jihadistas, gangues locais, milícias estatais e antiestatais, grupos de autodefesa, combatentes estrangeiros; há os que fogem aos bombardeamentos aéreos, que se encontram encurralados e fogem de vinganças tribais. |
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Junho 2016
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