Mostra-se cético sobre o vigor das ficções no nosso tempo, parece que há pouca coisa para nos prometer, não esconde que depois da década de 1980 aquilo que é a grande ficção parece ter adormecido pelo planeta: “Desde os anos 80 que nenhum filme, nenhum romance, nenhuma obra plástico-musical de projeção universal e prometida à perenidade – que são marcas as identificadoras do génio – emergiu nesta Europa que já não espera nada e deixou de sonhar. E seguindo a trajetória ensaística, fala na ficção que começou com a bíblia, prossegue com o génio greco-romano e parece depois ter adormecido até ao Renascimento, depois desabrocha em turbilhão, da literatura à música, da dramaturgia à pintura temos uma série interminável de grandes nomes que irão alimentar o que Harold Bloom chama o cânone ocidental. No século XX o cinema ergue-se como outra assombrosa ficção, alertando para o facto de que os grandes temas vêm desde os alvores da civilização: “Ao longo dos séculos, a representação da realidade, a mimésis, foi um pressuposto da ficção. De Atenas a Hollywood, os mesmos temas e os mesmos mitos foram-se repetindo, renovando e declinando sob formas diferentes, e épocas diferentes, em civilizações diferentes e por meios de expressão diferentes. As obras, fossem elas peças de teatro, quadros, óperas ou romances, eram variações atualizadas de temas eternos, permanentemente adaptadas aos novos tempos, às novas revelações sobre as fronteiras do humano e aos novos limite do heroísmo e da maldade. Vale a pena perguntar: até hoje, o que há de novo na ficção que não tenha origem na Bíblia, em Homero e nos trágicos gregos?”.
Essa ficção prodigiosa anda também ao sabor do que se designa por estatuto do artista, hoje reconhecido e respeitado, conquistaram a liberdade de criar, são pilares da democratização da sociedade. O autor questiona o que é que há de novo entre Homero e John Ford, e enumera quatro dimensões: a História dos homens é um longo caminho de mortos inocentes e de crimes sem castigo; o prazer sexual entrou definitivamente em todas as galerias de ficção; do mesmo modo que os comportamentos contraditórios irão marcar obras poderosas de autores como Dostoievski, Tchékhov ou Melville, fenómeno a que também não é alheia a descoberta do subconsciente; e por fim a morte de “Deus”, deixou de ser condenável escrever o mundo como um enorme vazio onde a razão se perde e a esperança se esvai. E António-Pedro Vasconcelos faz paralelismos com o cinema. Os gigantes da 7ª arte são sempre devedores do passado, os grandes criadores andam sempre à volta dos mesmos temas, caso do heroísmo e do sacrifício, do medo e da coragem, da culpa e da redenção, da esperança e da deceção. Acha que os grandes momentos em que uma arte floresceu num país e numa época são sempre períodos curtos, de uma ou duas gerações, essas épocas correspondem invariavelmente ao período de uma vida humana. Inquieto com a falta de grande ficção volta à pergunta já formulada no início: qual será o futuro da ficção no nosso tempo, depois de 35 anos de vazio e de silêncio preenchidos pela vulgaridade e pelo ruído? Recorda a tirania do instante, o culto do efémero, o turbilhão informativo. E vaticina que as novas ficções terão que recuperar a tradição humanista e aristotélica que fundou o cânone ocidental. Os tempos que aí vêm serão portadores de um novo e radioso impulso criador ou teremos de esperar novamente dez séculos, os mesmos que levámos a redescobrir Aristóteles? Ensaio polémico, pessoalíssimo, sobre a cultura e a atividade criativa, seguramente útil para quem acredita na supremacia da ficção. UA-48111120-1
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Junho 2016
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