“Do Outro Lado das Coisas, (In) confidências diplomáticas”, por João Rosa Lã, Gradiva Publicações, 2014, é um relato de uma trajetória de um diplomata, alguém que está apetrechado para a diplomacia económica e que quer fazer coisas, que num sinuoso ziguezague andou por Genebra, em Marrocos, na Venezuela, em Bruxelas, em Washington, na Guiné-Bissau, em Haia, em Viena, em Madrid, em Paris, e novamente em Marrocos; alguém que foi assessor diplomático de Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro e diretor-geral dos Assuntos Multilaterais do MNE. A narrativa equilibra-se pelo exame dos lugares, das políticas e dos políticos, pela implícita confissão de que o narrador é um homem da direita liberal, que admira certos políticos e vitupera outros, que às vezes insinua cabalas de assassinato de caráter, mas não desvela nomes. Um diplomata experimentado que sabe contar peripécias onde quer que prestou serviço. Conversou com Santos e Castro em Caracas, vivia o último governador-geral de Angola no exílio, este contou-lhe como Marcello Caetano o procurou aliciar para a tentativa desesperada de promover uma independência unilateral de Angola. Não tem boas recordações das Necessidades, um ninho de víboras. Ouviu desabafos a Helmut Kohl, dignos de passar à História. Há para ali muita crítica e facada, o próprio prefaciador, Adriano Moreira, não perde pela demora por enfiar mais uma estocada em Marcello Caetano, seu ódio de estimação. A riqueza informativa não é negligenciada, vê-se que recuperou bem a documentação das suas missões e que sabe matizar episódios rocambolescos, possui verve para nos fazer sorrir quando troca de roupa para ir a uma cerimónia no Palácio de Queluz. Terá sido perseguido por peritos em intoxicação provenientes do gabinete do presidente Mário Soares. Em certas missões trabalhou noite e dia, como no processo de adesão de Portugal às comunidades europeias. Por vezes, fez a travessia do deserto. Não gosta nem de Sócrates nem de Diogo Freitas do Amaral, é admirador incondicional de Cavaco Silva. Acha que na Guiné-Bissau se tentam introduzir a papel químico o modelo democracia ocidental, o que arrastou o país para a inviabilidade… sem nos explicar por onde teria andado a realidade, descrevendo com mordacidade o zoológico político local. Gostou muito do ministro Jaime Gama, tece-lhe encómios elevados.
Distingue missões entediantes das exaltantes, onde se superou, designadamente quando foi diretor-geral dos Assuntos Multilaterais. A missão em Madrid foi coroada de êxito. Interromperam-lhe a missão em Paris, uma infâmia, intrigaram-no, Freitas do Amaral queria um “peso pesado” e ele não passava de um funcionário diplomático, era um ajuste de contas com o que teria feito Martins da Cruz, também este infamado, escreve, por diplomatas próximos do Partido Socialista. É um documento por vezes cheio de interesse pela análise das situações. E ficamos a saber que João Rosa Lã tem centenas e centenas de amigos, creio mesmo que só Dr. Mário Soares é que o pode bater em tanta amizade. São assim os diplomatas na reforma, quando já não precisam de mesurar… UA-48111120-1
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Junho 2016
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