A crise e a salvação dos portugueses: apesar das contrariedades, temos tido uma “rica vida”21/11/2014
Por Beja Santos - Pelo título e pelo que se escreve na contracapa, o livro chama logo à atenção para todos os desventurados da austeridade que esperam por dias melhores: “Rica Vida, crise e salvação em 10 momentos da história de Portugal”, por Luciano Amaral, Publicações Dom Quixote, 2014. Os portugueses estão reféns de credores, no momento presente, estamos condicionados, atolados na dívida soberana. Mas Luciano Amaral minimiza os desgastes o e desânimo com que nos debatemos, diz que somos um país com um historial de sucesso, temos fio condutor exemplar de sobrevivência às crises políticas, económicas e às suas elites. E traça, da sua lavra, uma perspetiva histórica de 10 momentos que nos fizeram chegar a este presente brumoso e inquietante: tivemos o faroeste (a fundação da nacionalidade), a primeira crise com a escolha de D. João I; fomos até Ceuta e mais além; tivemos um sultão em Lisboa, um rei com olho para a contabilidade que queria saber o que arrecadava das especiarias da Índia; tivemos a segunda crise, com a morte de D. Sebastião e a união ibérica; depois da Guerra da Restauração vivemos a quimera do ouro que foi muito útil para D. João V edificar o Convento de Mafra; a terceira crise foi marcada pelo alvoroço e as rapinas das invasões napoleónicas, parecia que o país ia ser apagado do mapa; seguiu-se a revolução liberal, primeiro ocorreu o cataclismo da guerra civil e depois o fontismo; o rotativismo levou a monarquia ao charco, a república saldou-se em descontentamento geral, chegara a hora de Salazar pôr os seus planos em prática, a que Luciano Amaral chamou o “camponês de Lisboa”; e agora não sabemos para onde vamos, se houver integração orçamental europeia será o fim de Portugal. O autor afiança-nos que o seu livro se destina a um público alargado, tudo se percebe melhor quando as crises económicas se cruzam com o contexto político (que grande novidade!). É brincalhão com os títulos, procura analogias entre o passado e o presente de sabor altamente discutível, algumas passam bem, quando fala dos senhores da Reconquista e das organizações criminosas italianas a propósito de códigos de honra, a vassalagem ou do parentesco. Procura prender-nos a atenção com as barbaridades medievais, divertir-nos com as suas imagens para capturar o leitor parece não olhar a meios: “Como aconteceu com as brigadas internacionais de 1936-1939, a península transforma-se no polo de atração de estrangeiros prontos a combater por uma ideia. Urbano II isentou os cristãos na península de participarem na cruzada, fazendo equivaler a Reconquista à libertação de Jerusalém”. Explica o povoamento e o papel das ordens militares; depois temos a primeira crise. Com D. João I, o Norte de África transformou-se numa nova Reconquista contra o mouro. Era o sonho de “viver acima das possibilidades. Luciano Amaral não simpatiza com este rei e a sua prole: esta ofensiva no Norte de África era uma tentativa de os Avis ganharem um lugar ao sol, o rei tinha origem bastarda, precisava também de dar ação à nobreza, canalizar esta energia contra o Infiel. Ceuta tornou-se um fardo muito pesado para a Coroa portuguesa, era o primeiro dos elefantes brancos. Tânger foi um fiasco, “D. Henrique sacrificou D. Fernando. O infante é uma estranha personalidade, era sobretudo um homem da Idade Média, vivendo de rendas, pilhagem e pirataria. E o autor faz uma insinuação picante: “Recentemente, houve quem tivesse sugerido que era homossexual, algo impossível de assumir à época, mas que também não se consegue provar hoje. Como indícios, aponta-se sobretudo a casa exclusivamente masculina, marcada pela permanente excitação dos jovens escudeiros”. O infante era estranho e mais que aberrante, vivia do gamanço: “O interesse de Henrique pela navegação tinha origem na atividade de pirataria que a sua frota praticava nas proximidades do Estreito de Gibraltar. É essa presença permanente nas águas do Atlântico que o vai levar a interessar-se pela exploração da costa de África”. Também Vasco da ama foi uma escolha estranha, era um fidalgo obscuro, sabe-se muito pouco a seu respeito antes da viagem à Índia, seria um homem medroso e inseguro, parece ter sido escolhido como embaixador para negociar com as comunidades cristãs da Ásia. As especiarias começaram a desembarcar na Europa de 1503, aqui chegam em grandes quantidades o gengibre, a seda, as pérolas, o marfim e também os escravos africanos. A pimenta era o produto com maior cotação. D. Manuel I tornou-se no rei mercador. A segunda crise começa com Alcácer Quibir, a união ibérica esfarelou-nos o império e o descontentamento atingiu o auge na década de 30 do século XVII, os impostos eram desmesurados.
Luciano Amaral acha que temos crises existenciais de 200 em 200 anos. E escreve: “A primeira, a de 1383-1385, aconteceu cerca de 200 anos depois da criação do país; a segunda, de 1580, cerca de 200 anos depois da primeira; a terceira, de 1807, também cerca de 200 anos depois da segunda; e a atual 200 anos depois da terceira. Ignoro se há aqui alguma insinuação providencial, mas a verdade é que foi assim que aconteceu”. Luciano Amaral é historiador, e questiona-se se não tem a dimensão do ridículo ao forjar sem nenhum rigor científico estes pretensos ciclos de Kondratiev à luz da sua imaginação, onde será que este senhor posiciona o Portugal exaurido da Guerra da Restauração, a I República em bancarrota e a subsequente humilhação do empréstimo vigiado que Sinel de Cordes se preparava para assinar, antes da chegada de Salazar e o seu “milagre financeiro”? Se se deu ao trabalho de escrever este livro anedótico para dar como comprovado que temos sobrevivido a muitas crises, o trabalho foi inglório, é matéria consabida, tal como o que escreve sobre os acontecimentos que conduziram a 2011 e à chegada da troica. Não há ninguém que não saiba que as condições estruturais da economia continuam sem mudanças de substância. E no termo deste arrazoado, vem alentar-nos dizendo que sempre que estivemos à beira da desintegração soubemos impedir a consumação desse destino… E assim se escreve um livro a gozar com o pagode! UA-48111120-1
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