De há muito que estamos habituados a que as Edições 70 publiquem obras de invulgar qualidade gráfica e científica. O que abona o aplauso que endereçamos a “100 anos de fotografia científica em Portugal”, coordenação de Fernanda Madalena Costa e Maria Estela Jardim, Edições 70, 2014. Obra incontornável, adiante se verá. No século XIX, o desenvolvimento da fotografia será muitíssimo bem acolhido pelas especialidades científicas e, como círculo virtuoso, assistir-se-á ao incremento de novas técnicas fotográficas, tratou-se de um casamento perfeito. Como aliás se diz na introdução da obra, a ciência foi muitas vezes o motor do desenvolvimento da fotografia. Este admirável novo mundo da cultura visual irá popularizar a ciência, a imagem fotográfica passará para o primeiro plano dos grandes eventos. Na Grande Exposição de Londres, de 1851, uma das maiores atrações foram as fotografias científicas astronómicas; a fotografia da Lua deu brado. Os cientistas, caso do Príncipe Alberto I de Mónaco, grande explorador oceanográfico, exibiu fotografias e instrumentos oceanográficos na Exposição Universal de Paris de 1889. O que esta obra sobre a fotografia científica nos permite apreciar são esses tempos heroicos, em diferentes dimensões: os processos fotográficos históricos, o daguerreótipo, a invenção do calótipo, a descoberta de substâncias como suporte da emulsão fotográfica que desembocaram na gelatina, os sais de prata (em 1873, Brito Capelo, diretor do Observatório Meteorológico Infante D. Luiz, usou um processo fotográfico com sais de urânio para fotografar a passagem de Mercúrio sobre o Sol, fotografias que foram apresentadas na Exposição Universal de 1878 em Paris); a cartografia e os processos fotomecânicos, que começaram a ser utilizados na produção e reprodução de mapas e planos de engenharia, em que coube a Filipe Folque um papel relevante no desenvolvimento da cartografia científica, foi sob a sua direção que se elaborou a Carta Geral do Reino à escala de 1:100 000; a fotografia na meteorologia e geomagnetismo, pois os observatórios meteorológicos e astronómicos passaram a ser equipados com instrumentos fotográficos de auto-registo, de modo a poderem pontuar de forma contínua as variações de temperatura, de pressão, da eletricidade atmosférica e do magnetismo, e adiante-se que na segunda metade do século XIX, o Observatório Infante D. Luiz, de Lisboa, o Observatório Meteorológico e Magnético de Coimbra bem como o Posto Meteorológico e a Casa Magnética da Cidade do Porto possuíam instrumentos fotográficos de auto-registo, tais como barógrafos, psicógrafos, eletrógrafos e magnetógrafos; a fotografia na exploração dos oceanos, tão importante nas expedições oceanográficas do rei D. Carlos, que vêm documentadas neste livro e abonando assim que o penúltimo rei de Portugal foi, além de um pintor de talento, um distinto homem de ciência e um fotógrafo amador cujo trabalho não pode ser ignorado, havendo a acrescentar que D. Carlos participou em vários expedições nacionais e internacionais; a fotografia médica, e este magnífico álbum mostra a utilização de imagens surpreendentes nas escolas médico-cirúrgicas de Lisboa e Porto, bem como da Morgue e do Instituto de Medicina Legal de Lisboa e, não menos importante, o nosso contributo no XV Congresso Internacional de Medicina de 1906; a fotografia do invisível, no fundo a pré-história dos microscópios eletrónicos, com destaque para as fotomicrografias médicas da segunda metade do século XIX até ao início do século XX, reporta-se a fotomicrografia e medicina em Portugal que só seria implementada em escolas médicas e hospitais portugueses já no final do século XIX, havendo um capítulo s obre a fotografia e raios X na medicina portuguesa e fotografia e espectroscopia com uso em instituições científicas como a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; por último o papel da fotografia científica numa instituição museológica, o Museu Conservatoire des Arts et Métiers, Paris, para ilustrar os avanços tecnológicos e aplicações da fotografia à ciência nas áreas da astronomia, meteorologia, medicina, biologia e física.
Uma edição ímpar sobre a fotografia científica e o seu papel na ciência portuguesa durante o século XIX até aos anos 30 do século XX. Um comprovante de que a ciência em Portugal, em tempos tão ásperos, não descurou a vanguarda tecnológica. Para que conste. UA-48111120-1
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AutoresBEJA SANTOS Arquivo
Junho 2016
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