Por: BEJA SANTOS –Em 2010, Riccardo Marchi, um investigador das Direitas portuguesas organizou o seminário “As raízes profundas não gelam? – Ideias e percursos das direitas portuguesas”. Interpelado na ocasião sobre as razões desta organização, explicou que não dispúnhamos de um instrumento bibliográfico que proporcionasse aos interessados na panorâmica histórica e ideológica sobre os percursos das Direitas portuguesas. O somatório de todas estas intervenções é hoje um livro incontornável para quem queira estudar as ideias políticas e ajuizar a singularidade e a vitalidade do fenómeno das Direitas em Portugal: “Ideias e Percursos das Direitas Portuguesas”, coordenação de Riccardo Marchi, Texto Editores, 2014. Rui Ramos abre as hostilidades num longo ensaio para concluir que a história das direitas, tal como a história das esquerdas, está por fazer em Portugal, e confessa a sua perplexidade: “Deveremos ter uma história geral da direita, com filiações e ramificações, ou uma série de micro-histórias das várias direitas em vários contextos? Uma árvore de costados ou o mapa de um arquipélago? O mais correto será admitir que ainda não sabemos o suficiente para decidir”. E só no período posterior ao 25 de abril, fala dos equívocos e sinuosidades em torno das apelações de esquerda e direita, as forças de esquerda não se arvoravam enquanto tal na sua propaganda, embora houvesse um partido com o nome de “Movimento da Esquerda Socialista”. No vocabulário dos partidos nas eleições de 25 de abril de 1975, direita e esquerda não constam dos 100 termos mais utilizados. O PCP só falaria de “maioria de esquerda” durante as eleições de 1976. Anota o historiador que é mais frequente o recurso aos vários “ismos” – liberalismo, cartismo, franquismo, sidonismo… Recorda também que o novo regime não produziu um partido conservador, à direita do PS surgiu uma multiplicidade de partidos que as autoridades militares reduziram a dois para eleições de 1975: o PPD e o CDS, o primeiro dizendo-se centro-esquerda e o CDS reivindicando-se do centro. O então dirigente do CDS, Freitas do Amaral repudiou as direitas, com a maior das veemências: “As direitas olham sobretudo para o passado, são prisioneiras da História: nós, pelo contrário estamos virados para o futuro. As direitas são conservadoras, contentam-se bem com o que está: nós, porém, somos progressistas. As direitas são corporativas, aceitam os privilégios: nós somos democráticos, combatemos pela igualdade. As direitas são nacionalistas, desprezam o mundo que as rodeia: nós somos patriotas”.
Estamos agora no século XIX, os estudiosos vão debruçar-se sobre a reação antiliberal, a defesa da tradição mediante a contrarrevolução. O conservadorismo e legitimismo opõem-se ao Iluminismo e ao ideário da Revolução Francesa. O miguelismo vai trazer um discurso diabolizando a revolução e os revolucionários, na linguagem panfletária notabilizou-se José Agostinho de Macedo, um discurso centrado na apologia da violência política. O apoio popular rural ao miguelismo não teria sido tão grande como os miguelistas fizeram constar e daí o número formidável de prisões, devassas e emigrados políticos liberais o que, tudo somado, prova que o liberalismo contava com uma significativa base social de apoio. O miguelismo deixou herança, se bem que a ideologia antiliberal tenha vindo a perder influência. Maria Alexandra Lousada destaca que o discurso contrarrevolucionário e protonacionalismo do miguelismo tornou-se parte integrante da construção da sociedade liberal portuguesa. Fátima Sá e Melo Ferreira procura dar-nos uma imagem das formas de violência política que foram dadas durante o reinado de D. Miguel, terá sido um terror que assentava na perseguição e na representação de um adversário como um inimigo a abater. Estamos no século XX e Armando Malheiro da Silva estuda a esquerda/direita na República. O novo regime era marcadamente burguês, procurou continuar a cativar para as suas fileiras o operariado, pouco sensível aos socialistas e dada a incapacidade dos anarcossindicalistas se constituírem como alternativa de poder. Mas a linha tradicionalista cedo protestou quando começaram as greves e os tiroteios, apareceram os suspiros e os apelos à ordem e a linha monárquica reorganizou-se mesmo sem direção. É neste caldeirão da fragmentação republicana, da nostalgia monárquica, com o forte acréscimo de instabilidade e conflitualidade que se ganhou espaço para o apoio entusiástico ao sidonismo, que talvez procurasse corporizar um presidencialismo à americana. A morte de Sidónio não deixou totalmente órfãos os seus próceres, eles irão enfileirar no Estado Novo. José Manuel Quintas estuda o Integralismo Lusitano, um dos pensamentos mais consistentes das direitas portuguesas e que acabou, mesmo com reações contrafeitas, por ficar próximo da União Nacional gizada por Salazar com o intuito de barrar caminho aos partidos e estabelecer uma coesão linear de apoio ao regime. Ernesto Castro Leal debruça-se sobre a Acão Realista Portuguesa, monárquicos de índole nacionalista integral, a trajetória destas linhas integralistas vão desaguar em publicações que com o 25 de Maio de 1926 se extinguirão, todos estes intelectuais, com maior ou menor intensidade, vão aplaudir o regime de Salazar. Vários investigadores, com Luís Reis Torgal à cabeça avaliam a passagem do tradicionalismo antiliberal para novas vias de pendor nacionalista em diferentes momentos do Estado Novo, qual o papel da direita monárquica, quias as opções políticas dos católicos e como jovem geração, em plena guerra colonial põe em marcha o nacionalismo revolucionário. E chegámos ao 25 de abril. Quase como em balanço, Jaime Nogueira Pinto traça o quadro: “Se olharmos a história política portuguesa, a única coisa que é genuinamente portuguesa nas suas conceções é a relação especial com os espaços de descoberta e conquista. Quanto ao resto, nós, portugueses, repetimos a história política europeia: fomos liberais, fomos autoritários, fomos republicanos, fomos absolutistas, fomos jacobinos, fomos contrarrevolucionários, fomos democratas, fomos comunistas, fomos fascistas, fomos seguindo tudo o que foi acontecendo na Europa”. Experimentado a intervir no cerno da direita quando se desencadeou a guerra de África, Nogueira Pinto recorda as publicações que mobilizaram centenas de militantes, como O Ataque, Tempo Presente, Combate, Política. Estas direitas permanecem inexpressivas à volta do 25 de abril, voltarão a ativar-se como organizações clandestinas, caso do MDLP e do ELP. No todo ou na parte, optaram por não criar um partido da direita política. Nogueira Pinto preferiu o combate cultural. Como ele diz, a questão de Portugal transeuropeu e do seu fim territorial era o denominador comum da direita, o ponto de unidade. No sistema partidário, a posição da direita revolucionária foi apoiar as frentes anticomunistas e anti-esquerdistas quando se tratou de evitar males maiores. Disserta sobre projetos do tipo da lusofonia como os mais estimulantes para enfrentar a Decadência destes quarenta anos mais recentes. Para Henrique Raposo a cultura liberal conservadora que tem vicejado na nossa república ainda não ultrapassou o bloqueio Sardinha/Sérgio pós 1910. E esta empolgante viagem sobre ideias e percursos das direitas portuguesas culmina com texto algo profético de José Pedro Zúquete quanto às direitas do futuro. Vemos de novo o chamamento da lusofonia, a primeira grande resposta mobilizadora depois do vazio da identidade portuguesa com a queda do ultramar, uma espécie de contra-ataque do império. E como o autor é imaginativo, augura esperançadamente: “Nós estamos bem pertinho da Europa como estamos bem pertinho de África, da América e da Ásia. E bem pertinho estamos porque, realmente, a começar pelo nosso imaginário de nação, feito de mitos, mas também de realidades, podemos estar em todo o lado. E assim, desta forma podemos continuar a marcar o mundo”. UA-48111120-1
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