Por BEJA SANTOS - O livro intitula-se “Problemas no Paraíso, O comunismo depois do fim da história”, Bertrand Editora, 2015 e o seu autor é alguém no pensamento contemporâneo: Slavoj Zizek, filósofo hegeliano, psicanalista e ativista político, autor de inúmeros livros sobre o materialismo dialético e crítica da ideologia e de arte, trabalhando no meio universitário europeu e nova-iorquino, onde é amado e detestado. Há quem o considere o pensador de eleição da vanguarda intelectual das novas gerações, mesmo os seus críticos reconhecem a vivacidade e o estilo irrepreensível e muitos são aqueles que não escondem a admiração pela forma como sabe ilustrar as suas formulações teóricas e as histórias exemplares que vai pinçando para pôr em cena as contradições do capitalismo contemporâneo. É um escritor direto, não gosta de esquivas, reconhece que o capitalismo de vanguarda induziu um aumento constante de produtividade, uma das condições que tornou possível um aumento impressionante da qualidade de vida mas não deixa de mostrar todo esse processo se vai saldando numa alienação baseada na intensificação do ritmo de trabalho e na virtualização da vida emocional. Não desmerece da maleabilidade do sistema que ele gostaria de ver demolido, escreve mesmo que “A lição fundamental a retirar da globalização é precisamente que o capitalismo se consegue acomodar a todas as civilizações. A dimensão global do capitalismo só pode ser formulada no plano da verdade – sem – significado, como o Real, do mecanismo do mercado global”. É um livro que abarca cinco passos: diagnóstico das coordenadas do sistema capitalista; viagem ao coração desse sistema, para perceber a ideologia que faz com que o aceitemos; segue-se a visão do futuro que nos aguarda se tudo se mantiver como está no presente; e conclui-se com propostas acerca das formas subjetivas e organizacionais que se adequam à nova fase da luta pela emancipação. Bem documentado, recorrendo a filmes como Batman, a obras de Dickens e às publicações mais surpreendentes, o seu diagnóstico pode ser polémico, mas não anda longe do que muitos pensam e não sabem refutar: a Europa a decair, o baile trapalhão das ideologias que se julgavam inultrapassáveis, desde os ultraconservadores à Extrema-Esquerda, às inúmeras misturas, classificações que se consagravam à volta do trabalho estão hoje em permanente revisão, temos trabalhadores, o exército-reserva dos desempregados, os permanentemente desempregados e os anteriormente empregados agora desempregados. Só não vê quem não quer: existe uma geração inteira de estudantes que quase não tem hipótese de encontrar um emprego digno, já que a educação não está subordinada diretamente às reais necessidades do mercado.
Pondo o comunismo como pano de fundo, ele pode ilustrar o que correu mal, o que está ultrapassado, quais os enviesamentos do pensamento marxista e como o capitalismo manipula os cifrões através da simulação e dissimulação. Zizek recorda-nos que cerca de 90% do dinheiro que circula é dinheiro a crédito virtual e observa que havendo produtores “reais” que se encontram endividados com instituições financeiras, há bons motivos para duvidar do estado da sua dívida. Os ultraliberais, desde a década de 1980, que têm instituído o dogma da desregulação, com todos os desastres em cadeia aos olhos de todos: perdas de pensões em aplicações mirabolantes, perda de qualidade do ensino público, do sistema de saúde, tudo o mais que se sabe. E sentencia: há uma grande necessidade de coisas que terão de ser reguladas, caso queiramos gozar a nossa liberdade não regulada. Constata a incapacidade crescente da elite dirigente na Europa Ocidental, a manipulação do fantasma da dívida e denuncia o plano alemão de constituir a Europa do Sul como um espaço de mão-de-obra barata e de reserva turística, sempre vigiada pelas instituições financeiras europeias e não só. Zizek fala-nos de Julian Assange e do caso Wikileaks e é provocador quando desconsidera o conceito de classes médias que deverá ser substituído pela classe estabilizadora, constituída por todos aqueles que se empenham em manter a estabilidade e continuidade da ordem social, económica e política vigente, aqueles que só querem mudanças que tornem o sistema mais eficiente mas com a certeza de que nada mudará. É provocador quando deprecia o que chamamos liberdade de escolha, é cáustico quando desvela o que separa o liberalismo da Esquerda radical, diz descaradamente que depois das cerimónias fúnebres de Nelson Mandela o que verdadeiramente mudou na África do Sul é que a elite incorporou muitos mais negros, quanto ao resto a miséria é a mesma, mas a encenação da reconciliação triunfou. É uma escrita vibrante que saltita pelos temas embaraçosos do ciberespaço, pelos impasses da Primavera árabe, pela futilidade do anti-eurocentrismo, pelas contradições que movem as multidões de protesto, que depois de protestar sabem que tudo fica na mesma. E assim nos deixa: “O autor espera que o leitor atento consiga discernir, sob os múltiplos tópicos, o horizonte comunista. Atualmente, o comunismo não é o nome de uma solução, mas o nome de um problema, o problema dos bens comuns em todas as suas dimensões – os bens comuns da natureza como substância da nossa vida, o problema dos nossos bens biogenéticos comuns, o problema dos nossos bens culturais comuns, e os bens comuns como espaço universal da humanidade, de onde ninguém deve ser excluído. Seja qual for a solução, teremos sempre de lidar com estes problemas”. Vibrante e irreverente, de leitura obrigatória. UA-48111120-1
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