Por Beja Santos - É muito bela a escrita de Margarida Fonseca Santos, tanto na área infanto-juvenil como na ficção para adultos e escreve igualmente linhas de orientação para aqueles que gostam de dar vida às palavras. O seu romance “De zero a dez, Encarar a dor crónica, as limitações e os medos. A força para superar os obstáculos do dia-a-dia”, Clube do Autor, 2014, é uma obra inspiradora, terna, quem procura combater a dor crónica e uma vida cheia de adversidades e de dependências, tem nesta narrativa uma estrela polar, nela encontra referências plausíveis para lidar com problemas de saúde crónicos, é um livro que exalta a esperança, que dá confiança na responsabilidade dos autocuidados e no empenhamento para a felicidade. Livro comprometido de alguém que compreende a fundo o universo das doenças reumáticas, que conhece as dores músculo-esqueléticas e que esboça uma trama discursiva em prol da vitória da vontade. Uma escrita suave, muito feminina, que se move entre o corpo e a alma, e que agarra o leitor no primeiro parágrafo:
“- De zero a dez, como é que sente a sua dor agora? De zero a dez? Na minha cabeça, gravitam episódios passados, medos futuros, relatividades inventadas à pressa, mas nenhum número. De zero a dez, sendo dez uma dor muito forte, explica. Não precisa de me dizer isso, eu sei. Só que se interpõe, entre mim e a resposta, esta aprendizagem ritmada, ao longo dos anos: posso aguentar sempre mais”. Leonor é catedrática em dores fortes, físicas, morais, psicológicas. Vive só, o seu companheiro mostrou-se indisponível para a acompanhar neste transe, até lastima aquele corpo a deformar-se. Há uma amiga inexcedível, Maria, e logo aqui a escrita passa a quatro mãos, a vida interior desnuda-se. O empregador de Leonor quer resultados, não aceita aquelas ausências, vem o despedimento. Porque há momentos em que a dor trespassa e deixa um cansaço irremissível, como ela descreve: “O ombro acorda-me de madrugada. Uma espada enterrada na articulação. Tento içar-me, mas não consigo apoiar-me neste braço. Pareço uma tartaruga, rodando o corpo com a ajuda das pernas, até ser capaz de, com o outro braço, começar a levantar-me. A dor fixa-me assim, sentada na borda da cama, sentada na borda da capacidade de a aguentar”. Tudo é um suplício, as mãos falham, até para abrir um blister. Numa maré de desânimo, Leonor faz o tanque com uma temperatura bem superior à da piscina, faz exercícios brandos, mobilizadores de articulações e músculos. Conhece um novo médico, aprecia-lhe o empenhamento, recebe o novo guião para tratamentos, começam por resultar, desperta para a vida. Outros amigos arranjam-lhe novo emprego, Leonor está manifestamente risonha. Nas horas vagas percorre as páginas das associações de doentes, procura companhia e soluções, comove-se com os testemunhos. João Pedro entra na sua vida, a romancista enovela a lenta espiral do afeto que os toma. Os discursos interiores são múltiplos, são pensamentos de gente positiva. E a autora, que procura mobilizar outras doentes para a vitória da vontade, dá acessibilidade ao discurso médico. Por exemplo, o médico de Leonor fala-lhe de medicamentos biológicos, torna-os compreensíveis: “São muito mais seletivos e precisos do que os medicamentos sintomáticos e modificadores da doença, aqueles a que chamamos clássicos. São imunossupressores, o que quer dizer que controlam a forma como o organismo se ataca a si mesmo”. Mas há as recaídas, as prostrações. Mas Leonor está confiante, João Pedro ama-a como ela é, com as suas mãos torcidas e os pés tortos. Há as infeções, nem sempre fáceis de debelar. Na suavidade da escrita, percebemos a positividade de Maria, o papel exemplar do empregador, os diálogos amorosos em que se fala da medicação e avulta permanentemente o empenhamento do médico, sempre a explicar como funcionam os medicamentos, caso dos inibidores da chamada COX-2, para controlo da inflamação. É um soberbo romance de desenvolvimento pessoal, de uma vida caminhada para a frente, de testemunho de alguém que aprendeu a fazer as pazes com a doença, a artrite reumatoide. Um romance imperdível. UA-48111120-1
Anabela
12/2/2015 11:54:32 pm
15/2/2015 05:21:23 am
Um enorme obrigada a Beja Santos, pela leitura e pela opinião sobre este meu livro, escrito com tantas histórias de pessoas reais dentro. Um abraço Os comentários estão fechados.
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Junho 2016
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