Por Beja Santos – O jornal O Público, na sua edição de 4 de Março, noticiava uma penhora das finanças de alimentos doados por hipermercados à IPSS O Coração da Cidade, alimentos destinados a famílias carenciadas. Esta IPSS distribui cerca de 2500 quilos de alimentos por cerca de 600 famílias. Em causa uma dívida relacionada com portagens que tem sido alvo de críticas pela sua falta de lógica, como refere a notícia: “Cada pórtico instalado nas SCUT corresponde a um processo de cobrança coerciva, pelo que a mesma viagem pode dar origem a diversos processos. Num processo de contraordenação com uma taxa não paga de 0,45 euros, por exemplo, a coima mínima é de 25 euros. Com taxas administrativas, custas processuais e juros de mora, pode acabar por ultrapassar os 100 euros”. A presidente de O Coração da Cidade é categórica: “Não pago, somos uma associação de voluntários, não temos dinheiro. Penhorar alimentos doados a quem tem fome. Isto é caricatura de um país”. O grotesco deste caso pode remeter-nos para outro olhar, que é o da contribuição da sociedade civil para prevenir e reduzir perdas alimentares e melhor travar o desperdício. A nível europeu, a questão está na ordem do dia, as instituições procuram tomar medidas que invertam o esbanjamento, dando incentivos a quem oferece atempadamente alimentos que possam correr o risco de destruição irremediável, um escândalo em sociedades em que proliferam os sem-abrigo e os desnutridos. As estratégias de prevenção e de redução do desperdício alimentar devem ter sempre em conta a segurança; as organizações que distribuem pelos carenciados têm papel determinante em recuperar estes géneros junto dos fabricantes ou distribuidores em condições próprias para o consumo. Não existe uma política comum na Europa em matéria de dádivas alimentares, mas as instituições defendem claramente as medidas práticas que reduzam o desperdício. Há até mesmo um projeto denominado Fusions, financiado pela Comissão Europeia, a quem compete estabelecer uma metodologia comum para quantificar as perdas e o desperdício. Reconhece-se um papel importante à educação para a redução do desperdício. Por exemplo, nas escolas de hotelaria e restauração os futuros cozinheiros deveriam ser sensibilizados para o imperativo de uma boa gestão dos stocks, e o mesmo se pode dizer das escolas de designers de embalagens. Acima de tudo, não se pode descurar a questão política que a análise das causas do desperdício e como as evitar. A legislação dos Estados-membros no que toca às dádivas alimentares e às suas práticas também carece de uma maior uniformidade. De toda a legislação alimentar europeia acerca de segurança, a questão mais delicada que se levanta tem a ver com a data de limite de consumo para os produtos mais perecíveis, daí a necessidade de alertar fabricantes e entidades que funcionam com bancos alimentares para a urgência em entregar a pessoas em exclusão social alimentos dentro do prazo de validade. Outra questão importante é a necessidade de haver uma legislação fiscal que alivie drasticamente o IVA sobre os alimentos que são doados, e põe-se mesmo a hipótese de não haver IVA ou muito próximo do zero. Os fabricantes também devem ser encorajados com deduções fiscais. A coordenação destes instrumentos fiscais é uma questão relevante. No caso português, dispomos de legislação sobre higiene alimentar, normas de rotulagem para alimentos, isenção de IVA para as dádivas e também dedução de taxas. A questão grotesca das portagens devia ser regulamentada, estas carrinhas que atravessam zonas com estradas alternativas que servem vários concelhos deviam estar isentas de qualquer pagamento pela natureza do serviço que prestam no combate à pobreza e à exclusão social. Até agora organizações, como a DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor e a APDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo insurgiram-se contra este sistema das portagens, sem resultado. Era tempo do Governo português dar mais um sinal de que quer contribuir para a redução do desperdício alimentar dando meios aos bancos alimentares na sua meritória missão de servir os pobres e os mais desfavorecidos. UA-48111120-1
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Junho 2016
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