O que falta fazer em Vila do Conde? “Tem que se criar emprego. É uma questão fulcral. É a solução para todos os problemas de âmbito social”, responde, sem quaisquer hesitações, a presidente da Câmara Municipal vila-condense, Elisa Ferraz. A tarefa desta mulher não é fácil: sucedeu a um peso-pesado do poder local, Mário Almeida, que esteve 32 anos aos comandos daquela autarquia. Mas por outro lado, Eli- sa Ferraz conta com a experiência acumulada durante os quatro mandatos consecutivos em que foi a vereadora responsável pelas questões sociais em Vila do Conde. A Mais Norte entrevistou-a no seu gabinete, na Câmara local, que, note-se, não é o do seu antecessor. Por ANTÓNIO MOURA [email protected] ![]() Elisa Ferraz movimenta-se num universo masculino. É a única mulher presidente de uma câmara na área metro- politana do Porto, que é constituída por 17 municípios. Nada, porém, que lhe mereça grandes comentários. “Nem me desagrada nem estranho”, afirma simplesmente. Acrescenta que há hoje mais mulheres nos executivos municipais do que no passado. “Quando eu entrei, há 16 anos, era uma raridade. Hoje não, hoje verifica-se que há mais mulheres nas pastas da Educação, da Cultura, da Ação Social” – que eram, aliás, as áreas por si tuteladas antes de ser eleita presidente, em setembro de 2013. Insistimos e perguntamos-lhe se tem uma explicação para o facto de haver tão poucas presidentes de câmara. “Não tenho grande resposta”. Logo depois, contudo, aponta uma possível causa para tal realidade. “A exigência do cargo em relação a horários é muito grande”. Mas em sua opinião, por outro lado, “cada vez mais, os cargos deixam de ter essa conotação masculino-feminino”. O que a levou a candidatar-se à presidência da Câmara de Vila do Conde? “Foi um grande desafio que, cons- cientemente e com tranquilidade, aceitei, pelo traquejo que os meus 16 anos, os meus quatro mandatos me da- vam relativamente a estas funções, que são exigentes, mas para as quais me sentia preparada precisamente por essa experiência que fui cimentando”, explica Elisa Ferraz. Suceder a um autarca como Mário Almeida foi “uma responsabilidade muito grande”. Diz que pensou “muitas vezes” quando lhe falaram nisso e a desafiaram para tal. Insiste que se tratou de “uma responsabilidade enorme suceder a um homem de um carisma extraordinário, que marcou este município e inclusivamente o trabalho autárquico, até pelo cargo que desempenhou na ANMP (Mário Almeida presidiu à Associação Nacional de Municípios Portugueses, entre 1990 e 2002). Um autarca de grande gabarito, reconhecido por todo o país. É lógico que não foi uma decisão fácil da minha parte”. Sem surpresa, admite que continua a conversar “muito” com ele. “O engenheiro Mário de Almeida é o presidente da Assembleia Municipal, é uma pessoa muito experiente e ouço-o sempre com muita atenção”. Contudo, garante, “não há cordão umbilical, de modo algum”. Contudo, garante, “não há cordão umbilical, de modo algum”. Eleita pelo PS, Elisa Ferraz tinha os seus trunfos para o cargo que hoje ocupa – e, além disso, não era propriamente uma recém-chegada ao mundo autárquico. “Estando aqui há tanto tempo, conhecia a casa, a máquina, o concelho, fui professora (de Físico-Química) na Escola José Régio, a cujo quadro pertenci durante cerca de 30 anos”. Nunca foi professora e vereadora ao mesmo tempo. “Quando saí, saí logo a tempo inteiro”, mas a atividade docente também lhe deu “um conhecimento” sobre o município. “Acreditei que poderia aceitar esse desafio”, resume. Ligação às questões sociais vem desde 1976 Questionada sobre se fazia parte das suas am- bições ser a sucessora natural de Mário Almeida, Elisa Ferraz respondeu assim: “Tenho um traba- lho de âmbito social ao qual me dedico desde 1976, porque tenho um filho deficiente profundo (“Tem trissomia 21, agravada por outros problemas”, afirmou) e acho que essa realidade alterou o meu percurso de vida completamente e portanto se esse problema não tivesse existido, provavelmente, eu teria tido uma vida muito menos rica, menos dedicada aos outros. Portanto, desde essa altura comecei a trabalhar no sentido de criar condições para que quando o meu filho chegasse à altura da escola tivesse possibilidade de ter uma resposta, coisa que não existia”. “Há muitos anos” que as questões sociais lhe fazem companhia. Em Vila do Conde, como noutros municípios, um problema destaca-se hoje entre os demais. “É o desemprego”, responde, sem hesitar, Elisa Ferraz, que aliás manteve o pelouro da Ação Social, o qual abrange o emprego, assim como o da Cultura. Qual é a taxa local de desemprego? “14,6/7. É uma taxa que nem é muito elevada”, afirma. Diz haver algumas perspetivas de melhoria, principalmente através de empresas que tencionam ampliar as suas instalações. “O desemprego é um flagelo que, não sendo combatido, não nos permite sair destes problemas de âmbito social”, analisa. A Câmara de Vila do Conde criou um “fundo de emergência social” dotado com 100 mil euros anuais, que é justamente para isso, para uma emergência. Não é algo que a autarquia atribui por tempo indeterminado. “Podemos pontualmente” resolver alguns problemas. Nada mais. “A mim, aflige-me pensar como se resolve a seguir. Isso só se resolve com emprego. É um trabalho que tenho andado a fazer com as empresas”, afirma, referindo que no seu concelho “quem resistiu à crise está com os seus postos de trabalho garantidos”. Em Vila do Conde, o desemprego afeta “mais mulheres do que homens, normalmente com algum percurso no trabalho têxtil, com 40/45 anos e baixas qualificações” e com muitas dificuldades para reentrar no mercado de trabalho. Trata-se de um problema “mais visível na cidade” do que nos meios rurais. Nestes, segundo explica, as pessoas viraram-se de novo para os meios de subsistência ancestrais, procurando rentabilizar as suas produções agrícolas, mesmo em pequena escala. “As coisas na cidade são muito mais difíceis e é aí que temos a principal percentagem de pessoas que acedem ao rendimento social de inserção”. Continuidade assumida A forte aposta na área social vem de trás. “Sempre disse que a nossa política seria de continuidade. Nunca tive problemas em assumir isso complemente”. Perguntamos-lhe se não receia ser acusada de estar a fazer uma cópia do trabalho do seu antecessor? “Não sei o que é que se possa entender por cópia. Temos aqui uma presidente de Câmara com esta visão completamente diferente relativamente a toda esta questão de âmbito social, a esta proximidade com as pessoas, a esta integração plena dentro da comunidade. É a este nível humano e social que eu pretendo ser recordada e é neste trabalho que me empenhei e que me faz pensar que é mais uma missão na minha vida”. Elisa Ferraz volta atrás e a uma pergunta que lhe fizemos e a que respondeu parcialmente. Novo hospital poderá criar centenas de empregos O que falta ainda fazer em Vila do Conde? “Tem que se criar emprego. É uma questão fulcral. É a solução para todos os problemas de âmbito social”, responde, sem quaisquer hesitações. Acredita que a situação pode melhorar até ao fim deste mandato. Uma das grandes esperanças reside no Hospital Senhor do Bonfim, um “empreendimento que estará para abrir”, do empresário Manuel Agonia, criador da Clipóvoa. “É um hospital privado” que, de acordo com a autarca vai criar “centenas de postos de trabalho, prevê-se entre 600 a 800 pessoas. É muita coisa”. Elisa Ferraz diz que é “um hospital, essencialmente, muito vocacionado para as doenças do foro mental”, mas que terá outros serviços. (Imagens da atividade autárquica cedidas pela CM Vila do Conde) Situação financeira “estabilizada” Encontrou os cofres vazios ou cheios? - Encontrei uma situação estabilizada, uma vez que a Câmara tinha resolvido o seu problema de endividamento recorrendo ao PAEL (Programa de Apoio à Economia Local). É algo que lhe tire o sono? - Não tira o sono, porque cumprimos o nosso plano de ação sem desvios e antigamente isto não era bem assim... Havia uma obra premente, podemos, vamos fazer... Antigamente, no tempo de Mário Almeida? - Antigamente, nos anos que permitiam que efetivamente os recursos se pudessem disponibilizar e potenciar de outro modo. Hoje temos um orçamento rigoroso, temos o plano de ação e procuramos não fugir dele. É mais difícil ser autarca hoje do que quando entrou aqui como vereadora? - Acho que sim, pela limitação dos meios financeiros, que no fundo regem toda a nossa atuação. Aponte três boas razões para viver em Vila do Conde. - A tranquilidade e a segurança da cidade, a beleza natural e a hospitalidade das pessoas. O filho e as preocupações sociais Elisa Ferraz sustenta que foi o trabalho diretamente relacionado com o filho deficiente que a en- caminhou para os problemas sociais e a fez abraçar esta causa. “Fui sempre trabalhando voluntariamente na grande instituição que existe hoje em Vila do Conde e que foi criada por mim, pelo meu marido e mais três ou quatro famílias com o mesmo tipo de problemáticas. Ainda hoje nos mantemos à frente dessa instituição”, que é o MADI- Movimento de Apoio ao Diminuído Intelectual-Vila do Conde. Diz que foi esse “percurso de vida” que levou Má- rio Almeida a convidá-la para a vereação. “Essa foi a decisão mais difícil de aceitar, muito mais” do que avançar para a presidência da autarquia, disse. “Fui tirar o curso de Físico-Química, porque queria ser professora de Físico-Química”, sublinhou. “A docência foi para mim uma paixão, uma realização pessoal. Tomar a decisão de sair da escola foi muito difícil. Não há vez nenhuma que eu saia que não encontre aqui ou acolá gerações e gerações de antigos alunos meus”, afirma, com visível satisfação e até alguma nostalgia. “Essa decisão foi o maior salto para o incógnito que eu senti. Houve até um período que me custava ir à escola, sentia-me emocionada”. Teve dúvidas. “Serei ca- paz?... Não serei capaz... Adaptar-me-ei?”. Memorial aos náufragos a ser erguido nas Caxinas Elisa Ferraz na apresentação do memorial aos náufragos que vai ser erguido nas Caxinas. A escultura, em ferro e pedra e em forma de barco, é constituída por cruzes para “simbolizar o sofrimento” da comunidade piscatória. Deverá ficar pronta a 16 de novembro, no dia do Mar.
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