Pode ler também a entrevista aqui ou neste link: http://issuu.com/maisnorte/docs/mn_1281_hires Mais Norte: O que é a Igreja em Braga e o que faz? Jorge Ortiga: É a Igreja universal com um projeto sobrenatural, divino, fiel à tradição no sentido genuíno da palavra mas que está aberta aos sinais dos tempos, às novas realidades. O «ser Igreja» consiste numa verdadeira comunidade de irmãos e queremos que a Pastoral aja de um modo renovado, no quadro de uma verdadeira renovação da Arquidiocese que passa pelas paróquias. Por outro lado, atualizamos a Catequese para comunicar melhor, e dar uma outra dignidade à Liturgia, respondendo aos anseios das pessoas. A isto acresce a dimensão sócio-caritativa, um estar atento às necessidades das pessoas nas paróquias. A Igreja tenta intuir as verdadeirtas carências e dar uma resposta concreta, fruto de uma eucaristia que alerta sempre para esta vivência do amor. Temos imensas instituições ao serviço do povo, e somos abertos ao mundo. MN: Com o surgimento da crise há instituições eclesiais em dificuldades... JO: Aumentou o número de pessoas carenciadas que nos batem à porta...E estamos atentos às suas necessidades, à pobreza envergonhada, às pessoas sem o necessário para viver e que vão recebendo ajuda nas paróquias, por vezes, escondida. Para além das instituições, temos diversos movimentos, conferências vicentinas, equipas sócio-caritativas, ou grupos de escuteiros que assumem esta preocupação pelos outros...Neste momento, damos uma resposta muito mais consistente, mas são muitas pessoas e nem sempre a Igreja pode responder. De resto, temos um papel subsidiário, pois é o Estado que tem o dever e a obrigação de acudir a quem precisa! Mas não atuando sozinho, porque não há Estado Social sem sociedade. A Igreja tem limitações, mas é um pouco a antena que capta estes sinais, um sismógrafo, que responde ou avisa os organismos estatais. MN: Uma das instituições da Arquidiocese é o Projeto Homem voltado para as toxicodependências...Funciona? JO: É uma instituição com direção canónica que, como terapia, nasceu em Itália, e que trouxemos e desenvolvemos. Inicialmente era só para casos de droga, com uma filosofia de recuperação e reinserção na sociedade, mas hoje há outras drogas, como o álcool que cresceu muito, talvez mais nas mulheres...É uma realidade muita viva e com situações graves...Outro cuidado é o da ludo-dependência, porque há muita gente, fruto da crise, que, não tendo dinheiro, joga e cria dependência e esta traz miséria. MN: Há dificuldades de recrutamento de jovens para o sacerdócio? JO: A vocação não é uma realidade humana, é sempre um chamamento de Deus... Nem sempre sabemos explicar porque é que somos padres e entramos no seminário! Não é a Igreja que recruta, apenas diz aos jovens que Cristo continua a chamar, para que sejam capazes de intuir o chamamento. A queda de frequência nos seminários tem várias razões, uma delas a da natalidade que dificulta imenso...Antigamente as famílias eram numerosas, hoje não. Acresce que nem sempre a família acompanha, ajuda e manifesta gosto em ter um filho sacerdote. MN: O que pensa da crise económica atual? Como vê o futuro do país? JO: Não compete à Igreja meter-se na política... Mas, analisando a palavra crise, por exemplo, na língua chinesa, ela refere-se a estarmos no fundo do poço e ao movimento para sair dele. Portugal caiu num poço, que não é só económico mas é de paradigma, de uma sociedade onde os valores são esquecidos e predomina o relativismo, o imanentismo e o emocional. Ainda não reencontramos um modelo de sociedade, estamos à deriva...O povo português, apesar desta carga de sacríficios, imposta pela austeridade, será capaz de sair do poço! Mas a situação continua exigente, custosa, por mais discursos políticos que se façam, e vai demorar o seu tempo. Portugal, sozinho ou integrado na União Europeia, é parte da aldeia global, d’uma nova época, cultura, e civilização, e tenho a convicção de que não vai ser fácil, não vale a pena iludirmo-nos... “ Ainda não reencontramos um modelo de sociedade, estamos à deriva... Mas o povo português vai sair do poço! MN: Mas a natalidade cai, os divórcios disparam, há novas famílias e mesmo unifamiliares... JO: A Igreja tem doutrina clara: sempre defendeu o sentido de família, a união homem e mulher, orientada pelo amor, e para a vida... Um amor capaz de educar e ajudar a integrar na vida em sociedade..Têm surgido formas alternativas, que não famílias no sentido histórico e cultural do termo. Precisámos de uma mentalidade para um novo tempo que nos dê paz e tranquilidade; só que, enquanto continuarmos a alicerçar a vida naquilo que é efémero e relativo, no subjetivismo e individualismo não chegamos a parte nenhuma... Ter um filho custa. Dizem: «prejudica-me economicamente e nos tempos livres e, por isso, deixo de ter vontade de o ter». Falta um verdadeiro amor à vida, gerando-a e promovendo-a, mas esta carência tem de ser acompanhada por políticas de ordem económica, de habitação e fiscalidade. Assistimos a um certo suicídio da sociedade portuguesa: envelhecemos, a população emigra, os mais ativos partem, e restam escolas vazias e sem crianças. Uma situação catastrófica! MN: Há ainda outros fenómenos novos como a pornografia, a prostituição... JO: Se quisermos repensar a família e o verdadeiro conteúdo da sexualidade, temos de saber que não é só uma fonte de prazer, é muito mais. Hoje, o problema nasce na educação nas escolas, nas televisões e com as crianças a terem internet no quarto, onde podem entrar em informações e notícias de todo o feitio. Isto cria um mundo de incertezas e de possibilidades, a ideia de que vale tudo..Não se trata só daquilo que a Igreja pensa, mas da educação para um humanismo integral, aberto também ao transcendente, e não apenas ao prazer! É como a água entre os dedos que vai caindo toda! MN: A Arquidiocese mantém a cooperação com os Palop’s? JO: A Igreja é aberta ao mundo. Na Quaresma, tempo de renúncia e de abstinência, já é de tradição que os cristãos abdiquem de coisas desnecessárias para pôr em comum, é o contributo penitencial. Habitualmente metade dos donativos é para uma obra na diocese, numa escola ou igreja, a outra vai para países de expressão portuguesa e para o Brasil...Mas já mandámos prá Índia. A Igreja pede esta caridade que está para além dos oceanos. MN: Têm sido feitas obras no património arquidiocesano? JO: Temos património com dimensão artística que precisa de recuperação. Vimos reconvertendo alguns espaços históricos como o Seminário Menor, onde construímos um auditório e salas abertas ao mundo da cultura, e onde há a universidade sénior. O nosso método é o de, nem comprar nem alienar, e, como princípio, o de recuperar. Acresce que as paróquias cuidam muito bem das igrejas e capelas graças à generosidade das pessoas que as sentem como a sua casa, e melhoram as condições, de acústica e até de aquecimento. No caso dos monumentos nacionais, às vezes é difícil a ligação com o Estado. Estamos empenhados na recuperação do Bom Jesus do Monte, único no mundo, ex-libris da cidade e candidato a Património Mundial...Fomos contemplados com fundos comunitários mas apenas para metade da obra; o resto teremos que encontrar. Também há obras na Sé, emblemático monumento, para integração na Rota das Catedrais. É preciso torná-la funcional e aberta à fruição do turismo. A região tem potencialidades, mas nem sempre é bem coordenado o apoio ao turismo religioso, que é também uma oportunidade de falarmos de nós. Por outro lado, estes espaços dão o emprego a muitas pessoas, e é nossa preocupação a de continuar a dar trabalho a quem precisa, o que nem sempre é fácil. “ Assistimos a um certo suicídio da sociedade portuguesa: envelhecemos, a população emigra, os mais ativos partem, e restam escolas vazias e sem crianças. Uma situação catastrófica! MN: Como está a relação com a Câmara? Melhorou? JO: Há alguns diferendos que vêm da antiga Câmara. A relação em termos institucionais e pessoais sempre foi boa, mas agora há um diálogo mais franco e transparente. Há condições para os problemas serem resolvidos, mas, com as dificuldades financeiras que a Câmara enfrenta, talvez não seja com a rapidez que gostaríamos... MN: E a relação com o Estado? JO: A Relação Igreja/Estado baseia-se na Concordata, um acordo de direito internacional entre a Santa Sé e o Governo. Por vezes, na sua aplicação, surgem alguns problemas mas, com boa vontade são ultrapassados..Se há coisas que é preciso resolver, sentámo-nos à mesa... MN: O que há a resolver? JO: Uma delas é o trabalho da Comissão para os Bens Patrimoniais prevista na Concordata. Há monumentos nacionais construídos e geridos pela Igreja mas que são do Estado. Há também a questão da assistência espiritual nos hospitais, nas forças armadas e nas prisões e situações novas que por vezes trazem algumas discrepâncias mas que são ultrapassadas. MN: O Papa Francisco tem um lado mediático...Isso é bom? JO: Não o vejo como mediático, vejo-o com a sua originalidade. O Papa João Paulo II tinha, também, uma característica de contacto com o mundo, grande capacidade de comunicação e de diálogo, e o Papa Bento XVI levou a Igreja para o mundo da ciência e do pensamento estruturado e deu consistência a alguma abertura de João Paulo II. Este Papa, o primeiro fora da Europa, vem de uma América florescente com uma religiosidade muito mais concreta e incarnada na vida humana. A reforma ou revolução que aporta passa pela sua linguagem que toda a gente entende porque não é intelectual. O Papa usa certas expressões de linguagem que incomodam muita gente mas todos entendem que, se fosse outro, diria o mesmo de forma mais elaborada! Tem um estilo novo, de diálogo, com as pessoas e com os conselheiros, o Colégio dos Cardeais. Não o vejo como revolucionário ou modernista mas como homem para este tempo, que chama a atenção para coisas que nem todos aceitam, como quando usou a expressão “a economia, só pela economia, mata”. MN: Mudou o modo como a Igreja vê os homossexuais? JO: Neste campo, houve uma evolução na história do pensamento..Houve um tempo em que era uma doença, hoje ninguém diz isso. Mas o normal é a união dos dois sexos, e não o contrário como é difundido pela teoria dos géneros. De resto, verifica-se que, nos casamentos homossexuais a estatística de divórcios é muito elevada..A natureza é o que é, mas a Igreja compreende. E até há movimentos de homossexuais católicos, mas um católico é, sobretudo, uma maneira de viver e encarar a vida ao jeito de Cristo. MN: O estilo do Papa Francisco melhora a imagem da Igreja a nível mundial? Beneficia a evangelização? JO: A maneira de agir é benéfica, não tenho dúvidas; há uma nova linguagem, que já vem de João Paulo II que evangelizava com novos métodos. Mas a doutrina continua: quando ele diz “Sair para ir ao encontro das periferias” recorre a uma linguagem mais moderna, mas Igreja sempre o disse, no próprio Evangelho, como com as samaritanas e os zaqueus. MN: E ecumenismo? O diálogo entre religiões? JO: Os protestantes e os ortodoxos aceitam Cristo e os evangelhos; podemos encontrar-nos e rezar o Pai Nosso, que está na Bíblia. Já o diálogo inter-religioso, que abrange o islamismo, o budismo e o confucionismo e todas as religiões antigas, sobretudo as orientais, nem sempre é fácil; nem sempre somos capazes de aceitar o diferente quer da nossa parte quer, parece-me, da deles. Mas temo-nos sentado à mesa e, como dizia o Papa João XXIII, há mais pontos que nos unem do que os que nos separam. Que acrescentava: «há que olhar mais para a unidade no essencial e a diversidade no acidental». Outra coisa é o fundamentalismo, em qualquer religião, e particularmente no Islamismo, é um grande problema, mas não sei se podemos considerar isto religião, as interpretações da Jihad, da guerra santa, da morte... Mas há, ainda, o díálogo com os não-crentes... nós aqui, em Braga, fizemos uma experiência, com muito sucesso, o «Átrio dos gentios», palavra usada no tempo de Cristo para significar aqueles que não eram judeus nem cristãos. No encontro entre crentes e não-crentes houve quem defendesse a doutrina da Igreja e quem pugnasse pela lógica da ciência. Uma ação estimulante que é para continuar! PROBLEMAS SOCIAIS: PEDOFILIA ? “ Pena foi a tendência para afastar os padres, mas a disfarçar, sem os denunciar! É um fenómeno universal. (...) Toda a gente sabe, e ninguém fala, que são muitos os casos ligados ao mundo do desporto. MN: Como vê a Globalização? JO: Podemos identificá-la com a Igreja, porque a expressão Católica significa universal, para todos, e que do mundo gostaria de fazer uma única família, com raças e fronteiras que não nos separam. Mas, se é um fenómeno universal, que abrange outras categorias de pessoas que lidam com crianças, e toda a gente sabe, e por aí ninguém fala, que são muitos os casos ligados ao mundo do desporto, olharmos para a questão digital, há perigos, ela não é má, mas temos de estar atentos. O Papa falou da globalização da indiferença, ou seja, entre outroseu fico indiferente perante os outros, fecho-me no quarto diante do computador. No mundo da economia reina a ideia do mercado, do lucro e isso acaba a explorar os mais frágeis e vulneráveis. É uma realidade maravilhosa mas com riscos. MN: Ultimamente tem havido perseguição a cristãos em vários países? JO: Em todos os continentes, os cristãos estão a ser perseguidos apesar de serem cidadãos exemplares no seu comportamento e é assim desde a igreja primitiva. MN: E as relações com a China? JO: O tempo irá facilitar uma maior abertura. Já estive na China onde falei com sacerdotes católicos ligados a Roma e com sacerdotes que pertencem à igreja nacional mas com a mesma doutrina e sem ligação a Roma. Roma não é autoridade, é a cabeça de uma família, de uma comunidade universal, de unidade. Penso que a animosidade se esbate, que continua a haver problemas mas ninguém hoje consegue ficar fechado. MN: Assiste-se também a uma certa proliferação de seitas? JO: São a confirmação da estrutura espiritual do homem, do divino e do transcendente. Aparecem, alguns respeitáveis, mas a maioria oportunistas que exploram os sentimentos das pessoas, prometem mundos e fundos, mas vão-lhes buscar o dinheiro. Pregam sem consistência histórica e teológica. Hoje, o que é diferente, aparecem novas comunidades cristãs, com outra alegria e manifestações exteriores, englobando todos os sentidos do ser humano, mas dentro da Igreja. Basta percorrer a cidade para ver que não há apenas seitas, mas também espiritismo, e bruxarias, normalmente terminando em exploração dos inocentes. MN: Acha que são casos de polícia? JO: Alguns casos sim...Pelas exigências que colocam, pelas promessas que fazem, pelo engano..É gente que vem de fora, sai e volta e continua ileso. MN: A pedofilia continua a ser um problema na Igreja? JO: A Igreja sempre foi contra e defendeu a dignidade das crianças.Quem dera que todas as organizações tivessem a mesma exigência. Quando o primeiro caso surgiu eu disse: um caso já seria demais...Pena foi a tendência para afastar os padres, mas a disfarçar, sem os denunciar! São situações que, infelizmente, sempre existiram, e porventura vão continuar a existir, apesar das regras mais rígidas que foram adotadas. E há que combatê-las e denunciá-las! Agora...Há que dizer que é um fenómeno universal, que abrange outras categorias de pessoas que lidam com crianças, e toda a gente sabe, e por aí ninguém fala, que são muitos os casos ligados ao mundo do desporto, entre outros. UA-48111120-1
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