![]() BEJA SANTOS – Uma das figuras emblemáticas de investigação e de divulgação de Eça de Queiroz, com mais de 30 títulos publicados, A. Campos Matos afoita-se agora a uma experiência ficcional que acaba por se constituir como um achado literário e a transcurso histórico impressionante: “Diário Íntimo de Carlos da Maia (1890-1930)”, por A. Campos Matos, Edições Colibri, 2014. Do bairro queirosiano, o investigador lança-se temerário ao dar vida à personagem cimeira de Os Maias, Carlos da Maia, coloca-o em Paris, está com 35 anos nesse tempo do Ultimato Inglês, Carlos faz jus ao curso que tirou e especializa-se num hospital consagrado, Hôtel-Dieu. A ficção ganha foros de plausibilidade: Charcot dava aulas na Sorbonne, Sigmund Freud assistia às suas aulas, Maupassant também está presente. Carlos da Maia não parece nada arreliado com o desenho que essa fez da sua pessoa, é admirador incondicional do seu criador. São inúmeras as figuras da cultura que atravessarão este diário forjado, caso de Antero, Camilo, Teixeira Gomes, Oliveira Martins, Aquilino Ribeiro, Tolstoi, Balzac, Romain Rolland, José Régio, António Sérgio… ![]() BEJA SANTOS – Com organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, “O adeus ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, Nova Veja, 2015, apresenta-se como um contributo que permita compreender melhor o fenómeno complexo que foi a descolonização portuguesa. Por isso diferentes intervenientes encarregaram-se de passar a escrito matérias aparentemente colaterais mas que têm significado preciso na descolonização, como é o caso de: O antigo colonialismo tardio do antifascismo português, onde Fernando Rosas pondera os pontos de vista de oposição republicana, comunista e da esquerda católica e, jamais próximo do 25 de Abril, a aproximação à questão colonial da esquerda maoista e da esquerda radical; a análise dos partidos nacionalistas africanos no tempo da revolução permite apurar que havia uma visão idealizada de nações unidas e prósperas dirigidas por líderes dedicados à modernização e ao progresso para todo o povo, foi uma narrativa bastante convincente que desmoronou com a corrupção, a guerra civil e a delapidação de projetos da cooperação internacional; um outro autor procede ao balanço militar nos três teatros de operações em que se faz a seguinte apreciação: “A verdade fundamental que emerge de uma análise da situação na África Portuguesa em início de 1974 é que os números – de pessoal, de armas, de força aérea – são essencialmente irrelevantes quando se trata de avaliar o equilíbrio de forças. Foi a política e não a capacidade militar que determinou o curso dos acontecimentos. Houve, seguramente, um diferencial grande no equilíbrio operacional militar entre os três territórios continentais – com uma situação desesperada para as autoridades coloniais da Guiné, desafiante mas não ainda crítica em Moçambique e relativamente tranquila em Angola”.
![]() Por BEJA SANTOS – Hugo Ernano deve ser o militar da GNR mais conhecido em todo o país. Foi condenado em 2008, por ter disparado em serviço sobre uma carrinha em fuga e uma bala ter atingido um rapaz de etnia cigana que seguia escondido na carrinha, com o pai e um tio, após um assalto. Foi condenado e não se resignou a uma decisão que é por muitos entendida como um equívoco de sérias consequências para o moral das polícias. “Bala perdida”, por Hugo Ernano com Rosa Ramos é o relato desses acontecimentos, A Esfera dos Livros, 2015. Um antigo Ministro da Administração Interna, Rui Pereira, é o prefaciador desta empolgante reportagem. Relata sumariamente os factos que foram conducentes à condenação de Ernano: “O militar condenado mandou parar a viatura dos suspeitos, mas teve de se esquivar para não ser atropelado e ficou ferido. Seguiu-se uma perseguição em que usou a arma para imobilizar a carrinha, que circulava perigosamente. A descrição dos factos revela que (Ernano teve a preocupação de respeitar a lei que rege o uso de armas de fogo por polícias. Disparou dois tiros de advertência para o ar e um terceiro tiro para o pneu traseiro esquerdo. A carrinha não parou. O militar visou depois o pneu traseiro direito, mas um solavanco em piso irregular provocou o desvio suficiente para que uma bala atingisse a criança, que viajava atrás sem que alguém o pudesse saber (até porque a carrinha tinha os vidros tapados)… Como resumiremos o caso de Hugo Ernano? Uma criança morre injustamente, devido à leviandade do pai (que talvez pretendesse iniciá-la no caminho do crime). Esse pai leviano acabou por ser contemplado com uma indemnização, cuja origem radica, paradoxalmente, no seu ato temerário. O militar da GNR, que procurou dar o seu melhor e atingiu inadvertidamente a criança, foi condenado, a pretexto de uma morte imprevisível e da suposta da violação dos deveres de cuidado (que, no entanto, tudo indica ter cumprido)”. O militar da GNR não se compadeceu com a lei da selva e os meritíssimos juízes inquinaram, pelas suas ínvias interpretações, o cumprimento do dever de qualquer polícia. ![]() Por BEJA SANTOS – Duvido que haja no nosso olimpo de escritores alguém que redija com a plasticidade de Mário de Carvalho: a sátira vizinha do surrealismo; a incursão pelo mundo do classicismo; a aventura histórica; o folhetim; o grotesco da guerra, mesmo imaginando cenários fictícios da guerra colonial portuguesa; a atmosfera espirituosa e o pensamento espúrio de certa esquerda nacional; as crónicas de costumes e a tragicomédia de certa burguesia que só descobre o ridículo quando se revê neste espelho de leitura, mas há mais, muito mais. Em boa hora se reeditou “A paixão do Conde de Fróis” que já conheceu cinco edições desde 1986, desta feita a edição é da Porto Editora, 2015. Estamos perante um romance histórico ou uma metáfora. Estamos no século XVIII, em tempos de despotismo esclarecido, reina D. José I, mas quem governa é o Marquês de Pombal. O desassossegado Conde de Fróis Júnior meteu-se num desacato e arranjou-se uma punição branda, foi desterrado para a longínqua praça de S. Gens, algures na raia, não longe de Miranda do Douro. Quem era desassossegado tornou-se brioso, entrou na praça como comandante, fez obras, motivou a tropa e, inadvertidamente, aconteceu uma guerra que confrontou Portugal contra a Espanha e a França. O conde mostrou-se destemido, deu resistência ao invasor e de comandante considerado, quando as bombardas começaram a escavacar S. Gens, em crescendo, a população pediu tréguas, aquele ponto fugidio no mapa estava a dar uma resistência desproporcionada. E assim chegamos à metáfora, assim que houve circunstância, o povo de S. Gens libertou-se do seu herói pela calada, herói ficou e pode muito bem acontecer que na História esta celebridade em bravura não possa vir a ser associada à mais deletéria das traições. ![]() Por BEJA SANTOS - O que Eugénio Rosa nos vem dizer em “Os números da desigualdade em Portugal”, Lua de Papel, 2015, um longo ensaio onde reúne os principais dados estatísticos sobre as desigualdades pode, sintetizar-se com as situações que apreendemos das evidências do nosso quotidiano: no nosso país todos empobrecerem com a crise, menos os ricos (que ficaram ainda mais ricos. De dia para dia, estamos a aprofundar os caboucos de uma sociedade cada vez mais desigual, uma sociedade aberta às tensões sociais e a todos os enviesamentos de um desenvolvimento económico malsão. Os dados estatísticos são frios, mas de um modo geral as conclusões são chocantes. Primeiro, a economia, a sociedade portuguesa e o poder político em Portugal encontram-se dominados por um reduzido número de grandes grupos económicos e financeiros, grande parte deles são controlados por grandes grupos estrangeiros. Segundo, a riqueza dos mais ricos é fundamentalmente riqueza financeira, a propriedade dos mais ricos é a base dos valores bolsistas. É isso que explica em grande parte a variação da riqueza dos mais ricos em Portugal, pois uma parte dela tem como base a capitalização bolsista dos ativos que possui. Terceiro, a crescente parcela da riqueza criada em Portugal que é transferida para o exterior, que resulta dos estrangeiros possuírem uma parte da propriedade e investimentos feitos em Portugal, contribui para o aumento da riqueza e para o agravamento das desigualdades, já que fica menos para distribuir e para o desenvolvimento do país. ![]() Por BEJA SANTOS - Tome-se o ponto de partida e reconheça-se a originalidade que se propõe para a trama do romance: onze anos já passaram desde a partida das tropas portuguesas de Angola (10 de Novembro de 1975) quando é descoberto uma mina de ouro o atirador especial Afonso que ali se escondeu. É capturado, repatriado e passa a ter acompanhamento psiquiátrico. Este atirador especial combateu nos três teatros de operações e irá relatar ao psiquiatra as diferentes vicissitudes que passou durante a guerra colonial, como a percebeu. Quando o romance “Adeus África” caminha para o final, Afonso confessa-se: “Para que acredite em mim, tenho que lhe falar da minha adolescência, que foi em parte passada em Portugal. Eu era filho de uma família com boas posses e eles acharam que eu devia tornar-me o mais português possível. Então, mandaram-me estudar em Lisboa e foi parar ao lugar menos indicado que existia nessa altura na capital para formar a consciência de um angolano favorável á ocupação portuguesa. Tratava-se da Casa dos Estudantes do Império. A Casa era exatamente o contrário daquilo que os meus pais desejavam para mim”. ![]() Por BEJA SANTOS - O livro intitula-se “Problemas no Paraíso, O comunismo depois do fim da história”, Bertrand Editora, 2015 e o seu autor é alguém no pensamento contemporâneo: Slavoj Zizek, filósofo hegeliano, psicanalista e ativista político, autor de inúmeros livros sobre o materialismo dialético e crítica da ideologia e de arte, trabalhando no meio universitário europeu e nova-iorquino, onde é amado e detestado. Há quem o considere o pensador de eleição da vanguarda intelectual das novas gerações, mesmo os seus críticos reconhecem a vivacidade e o estilo irrepreensível e muitos são aqueles que não escondem a admiração pela forma como sabe ilustrar as suas formulações teóricas e as histórias exemplares que vai pinçando para pôr em cena as contradições do capitalismo contemporâneo. É um escritor direto, não gosta de esquivas, reconhece que o capitalismo de vanguarda induziu um aumento constante de produtividade, uma das condições que tornou possível um aumento impressionante da qualidade de vida mas não deixa de mostrar todo esse processo se vai saldando numa alienação baseada na intensificação do ritmo de trabalho e na virtualização da vida emocional. Não desmerece da maleabilidade do sistema que ele gostaria de ver demolido, escreve mesmo que “A lição fundamental a retirar da globalização é precisamente que o capitalismo se consegue acomodar a todas as civilizações. A dimensão global do capitalismo só pode ser formulada no plano da verdade – sem – significado, como o Real, do mecanismo do mercado global”. ![]() Por BEJA SANTOS - Autor prolífico, com uma plasticidade que abarca o romance, a novela, o conto, o teatro e o ensaio, Mário de Carvalho possui um talento raro para observar o quotidiano, domina plasticamente, e dentro do mesmo discurso narrativo, a farsa, o burlesco, o pícaro, toca todas as teclas da emoção e radiografa com agudeza e pilhéria o mundo em que vivemos. Tenho para mim que a sua obra-prima é “Fantasia para dois Coronéis e uma piscina” que recentemente a Porto Editora reeditou, e que se revela como o mais inconfundível testemunho de uma era conhecida pelo cavaquismo, o tempo eufórico das autoestradas, da casa secundária, do triunfo do pato bravo, é o tempo dos fundos europeus e daquela mansidão em que a prosperidade (mais ilusória do que real) tinha tomado conta de nós. ![]() Por BEJA SANTOS - Percorrer Lisboa sobre o signo da arqueologia decifrada tem muitos aliciantes, permite novos olhares sobre o Castelo de S. Jorge, os vestígios do Teatro Romano, a Muralha de D. Dinis, a Muralha Fernandina, aprender a passear com o sentido da descoberta de uma história envolta na Lisboa à beira-rio e entrar no WC do Largo da Sé para descer ao passado, mas há mais, muito mais à nossa espera, como abona o livro “Segredos de Lisboa, Vestígios arqueológicos surpreendentes sob as ruas da capital portuguesa”, por Inês Ribeiro e Raquel Policarpo, A Esfera dos Livros, 2015, um estimulante guia para percorrer Lisboa a partir do subsolo. Estas duas jovens arqueólogas trazem novas propostas para conhecer e melhor compreender a história de Lisboa através de vestígios arqueológicos que se podem situar no Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, no Claustro da Sé de Lisboa, o livro ajuda a interpretar o que resta do Palácio dos Marqueses de Marialva que se situava, grosso modo, onde está hoje o Largo de Camões e passear com outros olhos nos Reservatórios da Mãe d’Água das Amoreiras e da Patriarcal, isto para já não falar no belo passeio que podemos dar na Ribeira das Naus. |
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Junho 2016
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